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Café da tarde camponês, uma crônica pelo Dia do Agricultor e da Agricultora

Geral

"Até fizemos uma experiência prática, provando que o café tomado na lavoura era muito mais gostoso"

Publicação: 27/07/2021


O mês de julho é marcado como o mês do agricultor e da agricultora, mas é bom sempre lembrarmos que o dia do agricultor e da agricultora deve ser todos os dias, exatamente por que precisamos comer todos os dias, isso mesmo, simples e direto assim. Os Movimentos Sociais Populares usam uma frase nas suas lutas que traduz a importância de quem produz comida, “se a roça não planta a cidade não almoça e não janta”. Se cada vez que fizermos nossas refeições diárias lembrássemos desta frase talvez o povo da roça seria devidamente reconhecido e valorizado. 


Lembro-me com saudades do café da tarde na roça. E não era qualquer café. Era café passado em coador de pano, em bule grande, dissolvido em água de poço, aquecida em fogão a lenha. E o leite, tirado a mão, de manhãzinha pela minha mãe, da vaquinha que comia apenas pasto natural, grama, capim, milho e até mandioca vez ou outra. Fervido em fogão a lenha todo o santo dia.

Tomávamos todos os dias o café da tarde, ou em casa ou na roça, acompanhado é claro, de um saboroso pão, com chimia ou melado. Minha mãe e minha irmã mais velha, eram encarregadas de preparar o famoso café da tarde.

O que me recordo bem é que levei muito café da tarde na roça para o meu pai, possivelmente a minha primeira atividade quando guri. Meu irmão também levou várias vezes, mais tarde foi função principal de minhas irmãs mais novas.

O mais interessante é que até fizemos uma experiência prática, provando que o café tomado na lavoura era muito mais gostoso, volta e meia sobrava um pouco na chaleira e ao voltar para casa tomava no bico mesmo.

Mas o que tornava este café da tarde, tão bom? Certamente um conjunto de ingredientes resultava naquele maravilhoso e inesquecível café da tarde. O que posso dizer é que se não fosse, aquela terra sagrada e fértil, que fez crescer o pasto, que serviu de alimento para a vaca que por sua vez se encarregou de produzir o leite. Também aquela água brotada da terra, utilizada para passar o café, o pão amassado pela mão da mãe e o melado feito em casa. Se não fosse isto o nosso café da tarde não estaria em minha memória. E não seria tão especial.

O toque especial talvez estava no fato de que, nos reuníamos no meio da roça de terra lavrada, ou no pedaço capinado ou em plena safra de feijão e sentávamos ali mesmo, demoradamente para tomar café da tarde. Claro que não era só momento de comer, também de sossego, de brincadeiras e de planejar a próxima empreitada.

Olha não é mera invenção minha, nem sonho, embora pareça, é fato concreto, acontecido em minha família, família camponesa.

Certamente o café da tarde de minha memória foi gerador de muitos outros cafés da tarde, almoços, jantas por muitas famílias deste imenso Brasil. Meu receio é que o café da tarde camponês, como este que me criei tomando esteja com os dias contados.

É por isso que lutamos! Na defesa de homens e mulheres da roça, agricultores, agricultoras, índios, sem terras, quilombolas, imigrantes, para que sejam imortais, seus sonhos se realizem e continuem firmes produzindo alimentos.



E que este café da tarde, possa continuar sendo tomado. Parabéns agricultores e agricultoras!


Maurício Queiroz

Técnico Agrícola da Ação Social da Diocese de Santa Cruz do Sul dedicado ao trabalho com agricultura ecológica e sementes crioulas. Também comprometido com camponeses e camponesas, jovens e mulheres. Integrante da CPT e Presidente do Conselho Regional da Cáritas RS.


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