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O BRASIL TEM 33,1 MILHÕES DE PESSOAS COM FOME: A HORA DE AGIR É AGORA

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Mensagem final da VIII Conferência Estadual de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Rio Grande do Sul (CESSANS-RS)

Publicação: 28/07/2022




“A fome voltou! Medidas Já!” O grito foi repetido mais de uma vez, em coro, pelo público de militantes, ativistas, gestores e gestoras, integrantes dos conselhos e de entidades de defesa do direito à alimentação humana digna e saudável, que deram vida a uma corrente de esperançar no auditório Dante Barone da Assembleia Legislativa do Estado do RS nos dias 27 e 28 de julho de 2022. A VIII Conferência de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Rio Grande do Sul teve cerca de 450 pessoas inscritas, todas comprometidas em debater, contestar, emendar, enriquecer com suas vozes, experiências e vivências as discussões que foram sendo feitas em várias etapas, em encontros prévios que permitiram traçar um diagnóstico da situação. Foi o momento de anunciar diretrizes para mobilizar o poder público e alertar a sociedade civil que por ventura ainda não tenha se dado conta de que a fome é um problema de todas e todos.

O sociólogo Renato Carvalheira do Nascimento, membro da coordenação da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), abriu o encontro no dia 27 apresentando os números estarrecedores desta calamidade pública que atinge com mais intensidade as famílias com crianças, as mulheres, a população negra e quem tem menos escolaridade. “Como é possível conviver com 33,1 milhões de pessoas passando fome em uma país tão rico?”, questionou. E ele mesmo respondeu: “A fome é um projeto político e ideológico. Quando um governo não a coloca na sua agenda prioritária, isso significa que vai piorar”.  

Diante do desmonte dos órgãos de pesquisa pelo Governo Federal, a Rede PENSSAN contribui com um raio X detalhado da situação, divulgando informações que podem ser acessadas pelo site olheparaafome.com.br. Estes números são importantes para entender o contexto social, econômico e político atual, e para poder cobrar dos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo garantias para o direito à alimentação digna de toda a população, como enfatizou a promotora de Justiça aposentada Miriam Balestro, diretora de articulação da FIAN Brasil. 


O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II VIGISAN), elaborado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), constatou que mais de 33,1 milhões de pessoas passam fome no Brasil. No Rio Grande do Sul, quase metade da população encaixa-se nos níveis de insegurança alimentar e cerca de 1 milhão de gaúchos não têm o que comer. (saiba mais em olheparaafome.com.br)


“Agô (licença)”, anunciou Iyá Vera Beatriz Soares, coordenadora nacional de Políticas para Mulheres do Fórum Nacional de Segurança Alimentar dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FOSANPOTMA) e conselheira executiva do CONSEA-RS, antes de conclamar o público presente a reivindicar, juntos, pela retomada do CONSEA Nacional. “Gente, eu não vou me calar. O ano que estamos vivendo é singular, porque temos a oportunidade de exercer a nossa cidadania. O voto não tem preço, ele tem consequências, e elas estão colocadas: a fome está aí. A fome dói, e é de verdade!”, disse Iyá Vera. 

Nilson Lira Lopes, representante do Movimento Nacional da População de Rua, contou, emocionado, que a participação na VIII CESSANS-RS é um marco importante na sua trajetória. “Eu já passava fome no útero desnutrido de minha mãe. Às vezes, eu desmaiava de fome na escola. Como aprender sem ter o que comer? Via meus irmãos chorando de fome e frio e não podia fazer nada”, relatou. Por isso, concluiu: “Direitos humanos são só para algumas pessoas. O sistema capitalista fortalece de toda a forma o preconceito. A inclusão social é o maior instrumento para o combate à fome e a prevenção à criminalidade”.

Segundo Lopes, para compreender o momento atual da fome é preciso entender o processo histórico que a gerou, desde a escravidão. “A pessoa que disputa alimentos com o cachorro no lixo precisa ter resgatada a sua identidade”, acrescentou. 

Ao saudar a realização da VIII CESSANS-RS, o ex-diretor-geral da Organização das Nações Unidas para alimentação e Agricultura (FAO), e ex-ministro de Segurança Alimentar e Combate à Fome, José Graziano da Silva, atual presidente do Instituto Fome Zero, lembrou que o Brasil havia conseguido sair do Mapa da Fome, e que o caminho para sair novamente passa pela mobilização da sociedade civil. “A VIII CESSANS-RS é fruto de resistência e teimosia. Que seja uma profecia”, resumiu Eliane Brochet, representante da Cáritas RS no CONSEA-RS. 


Para assistir à gravação completa das palestras da VIII Conferência Estadual de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Rio Grande do Sul, acesse AQUI

Para assistir à entrevista com o presidente do Instituto Fome Zero, José Graziano da Silva, feita pela TV Assembleia, acesse AQUI.



DESCASO COM O PROBLEMA DA FOME 


No final do dia 28 de julho, depois de longa discussão para a elaboração coletiva da Carta Política da VIII CESSANS-RS, uma comitiva foi ao Palácio Piratini para entregar o documento ao governador do Estado, Ranolfo Vieira Júnior. O governador, que havia chamado oficialmente a Conferência por edital, não esteve em nenhum momento no encontro para mostrar seu apoio, e alegou indisponibilidade de agenda para receber a comitiva. A Carta Política foi entregue a seus assessores.  

O CONSEA-RS lamentou o descaso do Governo do Estado frente ao problema da insegurança alimentar que assola o Rio Grande do Sul.

Confira a íntegra da CARTA POLÍTICA: 

Carta Política da VIII Conferência Estadual de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Rio Grande do Sul – VIII CESSANS-RS


Nós, delegades e participantes da VIII Conferência Estadual de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Rio Grande do Sul, realizada nos dias 27 e 28 de julho de 2022 no Teatro Dante Barone da Assembleia Legislativa, denunciamos e repudiamos a volta da fome ao nosso país e nosso estado. Inadmissível que depois de ter saído do vergonhoso mapa da fome em 2014, de acordo com o II Inquérito da Insegurança Alimentar, o Brasil retrocedeu ao patamar semelhante ao do início dos anos de 1990, tendo mais de 33 milhões de pessoas sem ter o que comer. Mesmo estando na região menos afetadas, não poderemos naturalizar que conforme o estudo, no Rio Grande do Sul quase a metade da população vive em algum grau de insegurança alimentar, sendo que falta comida em duas de cada dez casas.

Denunciamos a volta da fome como parte de um projeto político em vigor no Brasil e no Rio Grande do Sul, resultado do desmonte de políticas públicas iniciado no golpe parlamentar de 2016, aprovando a emenda constitucional que congelou por 20 anos os investimentos públicos, desmontando um conjunto de programas e políticas que fizeram o país sair do mapa da fome. Denunciamos e responsabilizamos o atual presidente da república por ter dado continuidade a tal desmonte e por ter destruído a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN, extinguindo o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA, a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional – CAISAN e a Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

Denunciamos e responsabilizamos o atual governo federal por omissão frente a uma das maiores crises sanitárias da história da humanidade, no que se refere ao dever do Estado Brasileiro em garantir o Direito à Alimentação, previsto no Artigo 6º da Constituição Federal. Além disso, o atual governo federal promove a maior liberação de agrotóxicos da história do país, aproveitando-se da pandemia para avançar as políticas de destruição do meio ambiente, sob interesses das grandes indústrias agroalimentares, da mineração e demais interesses corporações.

Denunciamos e responsabilizamos o governo do estado do Rio Grande do Sul por omissão quanto à sua obrigação constitucional enquanto ente federado do Estado Brasileiro, referente ao Direito à Alimentação. Omissão por estar desde 2019 sem um Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional e sem o funcionamento da Câmara Intersecretarias de Segurança Alimentar e Nutricional – CAISAN, ignorando as recomendações e alertas feitos pelo CONSEA-RS ao longo dos últimos anos. O atual governo do estado não possui estratégia de gestão voltada à segurança alimentar e nutricional, muito menos de enfrentamento à fome como um problema complexo, estrutural, estruturante e que necessita de políticas públicas intersetoriais.

 Reconhecemos e louvamos todas as iniciativas de solidariedade e de mobilização no combate à fome promovido pela sociedade civil organizada, pois sem tais iniciativas, a fome seria ainda pior. Nosso reconhecimento ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST, ao Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA, às entidades da agricultura familiar, às comunidades quilombolas e outras organizações pela doação de alimentos saudáveis para as campanhas de solidariedade. Nosso reconhecimento às milhares de cozinhas comunitárias e solidárias, bem como às inúmeras iniciativas humanitárias que levaram muito mais do que um prato de comida ou uma cesta básica, mas sim, levaram esperança, organização e apoio aquelas que mais precisam.

A solidariedade promovida pela sociedade civil é também um ato de denúncia às violações ao Direito Humano à Alimentação Adequada – DHAA e, pela ausência do Estado enquanto responsável pelo zelo às garantias de direitos. Só enfrentaremos a fome com políticas públicas intersetoriais e com o controle social ativo e protagonista. Por isso, além das diretrizes para enfrentar a fome que apresentamos em anexo, para combatermos a fome precisamos urgentemente:

· Reinstalação do CONSEA Nacional, com fortalecimento do SISAN e de suas demais instâncias funcionando de forma plena nos moldes do Decreto Nº7.272/2010, que foi revogado pelo atual presidente da república;

· Revogação imediata da Emenda Constitucional que congelou por 20 anos os investimentos públicos;

· Retomada das políticas públicas que foram responsáveis pela saída do Brasil do mapa da fome;

· Fim da Lei Kandir, e que seja taxada a exportação de comoditties e taxada a indústria dos agrotóxicos para subsidiar programas e políticas que promovam a produção e acesso aos alimentos saudáveis, sobretudo nas periferias urbanas;

· Revogação da adesão do Estado do Rio Grande do Sul ao Plano de Ajuste Fiscal;

· Defesa da CORSAN e demais estatais como patrimônio público que contribuem para a soberania e segurança alimentar e nutricional de seu povo;

· Revogação por inconstitucionalidade da Lei Estadual que permitiu agrotóxicos proibidos no país de origem, sem evidências científicas sobre os impactos;

· Inclusão das diretrizes da VIII CESSANS-RS no orçamento do estado para os próximos 4 anos;

· Revisão e constituição de um novo Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional;

· Reinstalação da CAISAN e da Secretaria Executiva do CONSEA-RS, que é responsabilidade do governo do estado.

Sendo assim, dirigimos esta Carta Política e as Diretrizes da VIII CESSANS-RS aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, aos candidatos e candidatas às eleições 2022 e a sociedade como um todo. 

Só enfrentaremos a fome com políticas públicas e com controle social organizado, protagonista e vigilante. 

A fome voltou! Medidas Já! 

Teatro Dante Barone - Assembleia Legislativa - Porto Alegre, 28 de julho de 2022










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