COLABORE

Em Canoas (RS), a “volta por cima” se dá também pela Economia Popular e Solidária

Áreas de Atuação

O município realizou a 1ª Conferência Municipal de Economia Popular e Solidária do RS, dando início ao calendário de conferências do Estado

Publicação: 03/10/2024


O município de Canoas, um dos mais destruídos pelas inundações decorrentes da emergência socioambiental que atingiu o Rio Grande do Sul entre abril e maio de 2024, abriu a agenda de Conferências de Economia Popular e Solidária no Estado. A 1ª Conferência Municipal de Economia Popular e Solidária de Canoas, realizada em 25 de setembro de 2024, teve 98 pessoas credenciadas e representou mais do que um esforço de superação da tragédia que tirou vidas, desalojou e desabrigou milhares de pessoas, alagou empreendimentos e deixou um rastro de dívidas, danos à saúde mental e física da população, além de medos e incertezas sobre o futuro. 

Justamente por causa desta situação -  e apesar dela -, o encontro sediado na Universidade La Salle, em Canoas, foi uma demonstração de resistência, resiliência e também um momento festivo e coletivo de esperançar. Muitas pessoas que ali estavam haviam perdido tudo o que tinham com as enchentes, inclusive seus instrumentos de trabalho. No entanto, elas participaram do momento de mística inicial levando orgulhosamente exemplares de seus produtos produzidos após a tragédia. Representantes de cooperativas, associações e grupos (formais e informais) de reciclagem de resíduos sólidos, reciclagem de equipamentos eletrônicos, artesanato e alimentação foram para frente da plateia e encheram o peito para mostrar a que vieram. 


 Foto: Na mísitica de abertura, representantes da Ecosol apresentaram seus produtos / Divulgação Cáritas RS

O superintendente regional do Trabalho no Rio Grande do Sul, Claudir Nespolo, anunciou, na mesa de abertura, a criação de um núcleo de apoio à Economia Popular e Solidária na sua Superintendência para apoiar os empreendimentos no Estado. “Há muitos caminhos que podem facilitar, nas cidades, o acesso a espaços públicos para fortalecer a economia solidária, como as feiras e o fomento às redes”, afirmou. Ele citou ainda o Programa Manuel Querino de qualificação social e profissional e o Programa de Formação Paul Singer – Agentes de Economia Popular e Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. “Agora temos um governo que quer ajudar a construir esses caminhos”, disse Nespolo. 

Nelsa Nespolo, representando a UNISOL Brasil - Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários, ressaltou que a economia solidária é uma estratégia de desenvolvimento. “Com certeza, se tivesse mais empreendimentos de economia solidária a gente não teria passado por isso (as enchentes), porque a gente produz e não agride o meio ambiente, a gente cuida das pessoas”, observou. “Mas o que mais temos que fazer para convencer a sociedade de que é preciso estar organizado de forma coletiva, de que os ganhos devem ser divididos, e não concentrados nas mãos de uma só pessoa?”, questionou. Nelsa chamou a atenção de que a economia solidária tem rosto de mulher, porque são elas, em sua maioria, que participam dos empreendimentos. E reafirmou a necessidade de ter mais oportunidades de qualificação, de comercialização e de troca cultural. 



Foto: Mesa de abertura do evento (da esquerda para a direita: Maribel, Sandra, Caroline, Simone, Claudir e Nelsa) / Divulgação Cáritas RS

 “A conferência é um espaço de participação social, para conversar com os gestores públicos e dizer do que realmente precisamos”, acrescentou Maribel Kauffmann, do Fórum Gaúcho de Economia Solidária. Segundo Maribel, há um consenso no Fórum de que a reconstrução do Estado deve passar pelo fortalecimento da economia solidária. “Para isso, a gente precisa estar nos orçamentos dos municípios, do Estado e da União. E essa tem sido a nossa maior fragilidade: não ter recursos específicos para as nossas ações”, salientou. Maribel fez um chamado para que todas as pessoas da Conferência pensassem sobre o modelo de gestão que se quer, já que o país vive um momento de eleições. “Porque o que a gente está vivendo não é uma crise climática, é um modelo econômico escolhido de gestão”, reiterou. 

Representando a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Inovação de Canoas, Simone Liñares Zanon, recordou sua vivência como artesã e manifestou seu apoio à Conferência, cuja importância se torna ainda maior em meio à emergência climática.  

Caroline Kolinski de Lima, da Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER/RS), lembrou o quanto tem aprendido com os empreendimentos de Economia Popular e Solidária. “A conferência é um ato político”, observou. Disse que Canoas tem uma longa trajetória nessa área, e a conferência é uma oportunidade de levantar as angústias e demandas, de formalizar e consolidar a Ecosol como uma política pública.  

“Apesar de todas as dificuldades, nossos empreendimentos estão aqui, lutando pelo dia a dia, pela Ecosol”, acrescentou Sandra Pires, do Fórum Canoense de Economia Solidária. “Precisamos discutir mais com o poder público o seu apoio, eles precisam nos escutar mais”, argumentou. 


Perda de postos de trabalho pós-enchentes

“Com 160 mil pessoas afetadas pelas chuvas de maio, a estimativa de perda de renda no município de Canoas, por mês, por causa das inundações, chega a R$ 657 milhões”, demostrou, em números, o professor Moisés Waismann, da Universidade La Salle, que apresentou um panorama da difícil conjuntura vivida pela população após a tragédia socioambiental. O professor ressaltou que, um mês após as enchentes, em julho de 2024, foi possível verificar que perderam postos de trabalho em Canoas pessoas que têm desde nível fundamental e completo até o Ensino Superior Completo. “A gente pensaria que após um momento de crise, aqueles que teriam mais escolaridade poderiam contribuir de maneira mais intensiva na resolução de problemas, mas esses também perderam emprego”, constatou. Quem mais obteve vaga no mercado de trabalho foi a população analfabeta, com ensino médio completo e Superior Incompleto, de até 24 anos, principalmente no comércio (40%) e construção civil (11%). “Pessoas com mais de 25 anos ficaram fora do mercado”, informou. 


Foto: Professor Moisés Waismann, da UniLaSalle, falou sobre a conjuntura de Canoas/ Divulgação Cáritas RS

Diante deste contexto, Roseli Pereira Dias, da Cáritas RS, convocou: “A gente precisa olhar o todo, e todos nós temos que estar dentro deste debate. Primeiro, porque fomos afetados/as, e segundo porque somos parte do problema, mas também da solução”. Exemplificando com dados do estudo “Canoas Múltiplos Olhares: Sociedade, Memória e Meio Ambiente” , Roseli, que também teve sua moradia atingida pela enchente, trouxe informações sobre como a ocupação irregular de áreas impróprias para moradia por empresas de loteamento de terrenos, especialmente no lado oeste da cidade de Canoas, que originalmente eram áreas de cultivo de arroz, contribuiu para a tragédia recente. Ao mesmo tempo, lembrou o quanto o município perdeu em áreas verdes e parques, outro fator de agravamento da situação.  

Ela comentou a informação de que aproximadamente dois terços da população está desocupada em Canoas, apresentada por Waismann. Roseli enfatizou que, numa conjuntura como esta, há espaço para a economia solidária (Ecosol) avançar como alternativa de uma outra forma de trabalhar e viver, pois a Ecosol busca o Bem Viver das pessoas. E propôs uma reflexão: “Como seria nossa cidade daqui a 10 anos se as crianças e jovens das escolas públicas de Canoas estudassem nas escolas a Economia Popular e Solidária?”.  

Eva Eloi Dornelles de Lacerda, representante da Cooperativa Vida Saudável e integrante da coordenação do Fórum Canoense de Economia Solidária, disse que, mesmo depois de tantos anos de caminhada, após ouvir os dados apresentados por Waismann ainda se impressiona como um município tão rico como Canoas tem pessoas que não usufruem destas riquezas e vivem na exclusão. “A gente é enxergada como “coitadinhas, pobrezinhas”, que têm que agregar uma renda. As pessoas não enxergam o potencial que a gente tem para mudar a realidade da nossa cidade. Mas também é preciso que a gente se coloque e se veja com esse potencial que a economia solidária traz para nós”, afirmou Eva, que teve sua casa inundada até o teto em maio, assim como testemunhou inundarem, nos fundos do imóvel, a cozinha e a padaria da economia solidária, e precisou da ajuda de outros movimentos e instituições para se reerguer. 

Eva ponderou que a questão ambiental é um dos problemas que se enfrentou e que se vai continuar a enfrentar, provavelmente, com mais gravidade, no futuro, se “a gente não abrir os olhos e não pensar: o que eu tenho a ver com isso?”. Ela advertiu: “Quando a gente se cala, a gente deixa que as pessoas continuem fazendo coisas erradas. Temos que começar com os nossos filhos, educando para respeitar a casa comum, que é o mundo que se vive – hoje, nosso encontro é para debater sobre isso”. (Assista aqui ao depoimento completo de Eva).


Propostas de ações concretas e implementação de políticas que já existem 

Durante a Conferência, os/as participantes se dividiram em grupos de reflexão sobre grandes temas considerados chaves para o desenvolvimento de empreendimentos de Economia Popular e Solidária: educação, formação e assessoramento técnico; financiamento, crédito e finanças solidárias; produção, comercialização e consumo; realidade socioambiental, cultural, política e econômica; e ambiente institucional, legislação, gestão e integração de políticas públicas. Cada grupo elaborou propostas de políticas públicas para os âmbitos municipal, estadual e federal, que foram apresentadas à plenária para aprovação.  

No âmbito da ação política do Fórum Municipal de Economia Popular e Solidária, ficaram definidas duas linhas de atuação: apresentar o resultado desta conferência para a nova Câmara de Vereadores de Canoas que será eleita em outubro deste ano, e executar ações concretas para enfrentar os desafios da questão ambiental. Porém, o que mais foi reiterado foi a colocação em prática de políticas já existentes, como a efetiva implementação do Conselho Municipal de Economia Popular e Solidária de Canoas e a reativação dos dois centros de Economia Popular e Solidária existentes no município. 

Ao final da Conferência, houve a eleição dos delegados e delegadas que participarão da conferência estadual.

Esta foi a primeira de uma série de conferências preparatórias no Rio Grande do Sul para a 4ª Conferência Estadual de Economia Popular e Solidária do Estado, que ocorrerá em 22 e 23 de novembro de 2024, em Porto Alegre (RS), e a Conferência Nacional, de 10 a 13 de abril de 2025, em Brasília. 


Cáritas, sempre presente!


Foto: Roseli Pereira Dias, da Cáritas RS (à esquerda), apresentou dados sobre conjuntura de Canoas/ Divulgação Cáritas RS

A Cáritas Regional RS, representada por Roseli Pereira Dias (na foto acima), é uma das entidades de assessoria e fomento à Economia Popular e Solidária que compõem a delegação canoense para a conferência estadual. 

Há 44 anos, a Rede Cáritas Brasileira apoia diversas iniciativas de Economia Popular Solidária em todo o país. São empreendimentos e organizações formadas por jovens, grupos de cultura, catadores e catadoras de materiais recicláveis, mulheres, população em situação de rua, populações vulnerabilizadas, sociedades rurais e urbanas, migrantes e comunidades em situação de risco. 

No Rio Grande do Sul, o trabalho da Cáritas foi essencial para estimular o surgimento de redes e cooperativas. E se mantém agora, com ações de apoio para a recuperação de equipamentos e insumos para quem perdeu tudo durante as enchentes de maio de 2024. 

Clique AQUI para acessar as fotos do evento. 

Clique AQUI para acessar mais vídeos da Conferência.


Tag